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ARTIGOS

IMPASSES ÉTICOS DO ASSUJEITAMENTO AO DESEJO E Á CULTURA

Návia Terezinha Pattussi
Psicanalista

Conforme Lacan, a ética é um juízo em relação à nossa própria ação desde que esta esteja também submetida a um juízo particular, implícito, o que é consentâneo com a colocação que vem logo adiante no livro de que a ética é uma reflexão teórica sobre a experiência moral(49). A ética seria então de ordem consciente pois é a emissão de um valor em relação à forma de agir. Uma espécie de acerto de contas com o sujeito desarvorado entre as leis do desejo e as leis da cultura E quando o juízo incide em relação aos desejos inconscientes que ficam somente no pensamento e não chegam até à ação? Lacan coloca que “Em relação a tudo o que o sujeito persegue, o que pode produzir-se no âmbito da descarga motora tem sempre um caráter reduzido. Não podemos deixar de dar a essa observação a sanção da mais profunda experiência moral.” (56)

Esse juízo ocorre inconscientemente através do supereu, que seria um substituto, uma internalização das prerrogativas morais da sociedade, redundando no sentimento de culpa, questão corriqueira e inerente à clínica. A máxima de Lacan sobre a ética da psicanálise, “proponho que a única coisa da qual se possa ser culpado, pelo menos na perspectiva analítica, é de ter cedido de seu desejo”. Se a culpa tem relação com o desejo e resulta de uma espécie de contabilização moral por ter falhado no seguimento dos preceitos então quando se diz é culpado por ceder de seu desejo a psicanálise não estaria indicando um bem para o sujeito? Não estaria aí implicada numa questão moral?

É possível ceder do próprio desejo uma vez que inexoravelmente somos submetidos a ele? Quando isso aparentemente se dá não será por falta de reconhecimento dele ou pelo fato do sujeito estar preso na demanda do outro? Lacan fala que ceder de seu desejo sempre vem acompanhado de alguma traição, por condescendência com a quebra de pacto com seus pares ou a principal, que é trair a si mesmo. Os fundamentos das leis que regem os pactos entre as pessoas são da mesma ordem daqueles que determinam as leis do inconsciente ou do desejo? Sabemos que não. Num texto do Caon veiculado na internet questionava sobre a responsabilidade, do sujeito enquanto cidadão, relacionada à lei dos pactos e a responsabilidade enquanto sujeito submetido à lei do desejo. Ambas tem um preço, mas de ordem diferente. Na cultura, paga assumindo as conseqüências legais e sociais por burlar a ordem constituída, em relação ao inconsciente paga, em última análise, com uma libra de carne, conforme diz Lacan, ou seja, paga com o corpo. Nesse intermédio paga também com a autopunição através do sentimento de culpa por transgredir preceitos morais.

Penso também em como entender essa preconização de Lacan, não ceder do próprio desejo, dependendo do tipo de estrutura que está em jogo. Como ficaria isso na psicose e na perversão?

SENTIMENTO DE CULPA

No Mal estar da cultura Freud fala da culpa como resultado da pulsão de morte e de vida, mas em última instância acena com a incidência especialmente da pulsão de morte, uma agressividade retornando para a própria pessoa. Será constitucional, independente de elementos situacionais? Nesse caso, estaria para além da incidência do supereu, seria de uma raiz mais primitiva.

Lacan coloca que o sentimento de culpa tem relação com a moral, com um gozo perverso. Pensei na hipótese do masoquismo originário de Freud. Nesse caso é possível conceber o desejo comportando uma dimensão para além do campo moral. Neste Seminário 7 Lacan fala do embate entre os desejos inconscientes e o princípio de realidade, que chamarei aqui de cultura, por ser sempre conflituoso e frustrante posto que a realidade não dá conta de propiciar condições para a realização do desejo. Em primeiro lugar por que hipoteticamente a realização dos desejos de cada um seria incompatível com a convivência humana e portanto há que haver regras que orientem, modulem o vulcão pulsional dos sujeitos. Em segundo lugar por que há a presença ausente de Das Ding, impossível de ser reencontrado e sempre buscado, resto inapreensível e determinante da escolha de qualquer objeto sempre ilusório quanto à sua satisfação.

Então o impasse que vivemos para além do engano de embrenhar-se em preceitos morais que nos guiem em direção ao que seria considerado o bem para alcançar o prazer, que seria o encontro do objeto ideal, se configura a constatação de que somos errantes, no sentido de erro mesmo, de equívoco, e de busca de caminhos a esmo, além de faltantes, relativo à falta como um significante citado por Lacan no sentido de burlar normas e também como vivenciando a experiência de um vazio, carente de ser preenchido.

Por mais que a cultura vise o controle do sujeito haverá sempre algo que escapa à censura, uma tendência à subversão, uma vez que é cativo das inscrições de seu inconsciente. Esse, determina os caminhos de cada um na busca do prazer, através da estrutura dos trilhamentos inconscientes. Portanto, “seu bem já lhe é indicado como a resultante significativa de uma composição significante que se encontra convocada no nível inconsciente, isto é, lá onde ele absolutamente não domina o sistema de direções, de investimentos, que regulam profundamente sua conduta.”(92)

A condição de ser cativo do inconsciente. Cativo no sentido de preso mas também como seduzido, atraído. Atraído por suas leis. Poderia ter usado o verbo estar. Como psicanalistas contamos com a possibilidade de até certo ponto, “estar” cativo embora saibamos que a condição de “ser” cativo, na essência, seja inexorável. Me faz lembrar de Freud “Lá onde o isso era o eu deve advir”, ou conforme a interpretação de Garcia-Rosa em seu livro Freud e Inconsciente (1994), “Ali onde se estava, ali como sujeito devo vir a ser” o que implica na passagem por uma profunda experiência moral colocada em questão na análise conforme nos diz Lacan. Acrescentaria, através especialmente da ética psicanalítica.

Lidamos com um sujeito tanto mais inflamado pelo desejo quanto mais submetido às leis, especialmente às da cultura. Não sei se é possível fazer essa distinção. Pois em última análise a lei que funda o inconsciente é a lei do incesto, que propicia o surgimento da cultura corrompendo o que é da ordem da natureza. Essa lei, no meu entendimento, seria uma espécie de mediadora ou limite entre o sujeito e a cultura. Paradoxalmente é o fundamento da moral e do inconsciente. Então, essa dicotomia em muitos momentos perde o sentido e me faz pensar novamente, qual a diferença da responsabilidade do sujeito em relação à lei dos pactos e à lei do inconsciente?

A TRAGICIDADE DO DESEJO E DAS DING

Se o desejo na sua essência é o desejo do incesto, em última análise, conforme nos diz Lacan, o desejo é um desejo de morte o que dá o tom do destino trágico do ser humano onde há sempre o triunfo da morte, conforme nos ensina Antígona.

O impasse é que alienado quanto à natureza incestuosa do seu desejo e também cativo dela, o sujeito sempre terá a tendência de manter o desejo à distância ao mesmo tempo em que é impulsionado a realizá-lo, exatamente por que é inacessível. Manter à distância por questões morais, uma vez que o objeto a ser reencontrado ilusoriamente seria a mãe que é proibida ao filho, mas também por que se o desejo pela mãe fosse satisfeito significaria a própria morte pois não haveria mais a mola mestra que produz e mantem a vida, o desejo.

Sabemos que no desejo do incesto a mãe ocupa o lugar de Das Ding, algo maior que transcende o campo moral e que está para além do princípio do prazer. Das Ding seria o lugar do desejo e das pulsões, o Real que comanda e determina a relação do sujeito com a realidade, necessária para a busca da satisfação, através da percepção dos objetos onde uma parte desses recebe uma predicação resultado das inscrições inconscientes e outra parte inacessível, indecifrável, Das Ding.

Das Ding, é a fonte do engano, é o que subjaz ao manto que recobre os objetos que escolhemos, que sempre não será aquele ao mesmo tempo em que simula ser. “Essa é a segunda caracteristica da Coisa como velada – por sua natureza ela é, em seus reachados, do objeto, representada por outra coisa.” (149) Os achados e reachados e procurados ocorrem através da cadeia significante. No entanto, ela como instrumento do principio do prazer conduz o aparelho psíquico para além dele, de significante em significante, na busca pela satisfação, visando o mais baixo nível de tensão.

FELICIDADE E SOFRIMENTO

No Mal Estar da Cultura Freud coloca que constitucionalmente só usufruímos de momentos prazerosos ou felizes por instantes fugazes pois o prazer contínuo faz com que se perca o bem estar. Somos constituídos para desfrutar somente do contraste e não do estado. Em contrapartida a sensação de sofrimento pode ser duradoura, por conta da própria forma como o sujeito experimenta esse estado. Pulsão de morte? Se tivéssemos como separar, o mundo exterior como fonte de sofrimento produz situações episódicas e passiveis de serem evitadas. O interior, por sua vez, provoca estados que podem ser permanentes. Temos também a relação do sujeito com seus pares como outra fonte de sofrimento que coloca em xeque a dimensão em que isso acontece.

Sendo assim, é insustentável pensar o sujeito fundado na geometria euclidiana, com um dentro e um fora. As contribuições da topologia trazidas por Lacan nos auxiliam a concebe-lo como uma superfície com duas faces, tal qual a Banda de Moebius, o que torna a relação com a realidade, e o que vem a ser ela, desde sempre problemática e por vezes produzindo impasses sem saída, com resoluções em suspenso. Isso problematiza a origem da fonte do sofrimento humano e em que dimensão ela ocorre.

Assim como os momentos de felicidade são fugazes a emergência do sujeito na cadeia significante também é fugaz. Então, o que se mantem da ordem do sofrimento é algo para além do sujeito? Parece que nesse sentido tudo vai se encaixando na lógica freudiana do além do princípio do prazer. É algo para além do psíquico que continuamente parece nos habitar produzindo o gozo do sofrimento? Novamente, pulsão de morte? Desejo? Tendência de retorno ao inanimado dizia Freud. Em Lacan, pulsão de destruição, de corromper com o que está posto e produzir novas formas. A diferença entre desejo e pulsão? Desejo tem relação com a inscrição da falta e pulsão? A metamorfose do instinto no encontro com a cadeia significante.

Retorno à questão que insiste em mim. Por que somos constituídos para viver a felicidade e o prazer em momentos fugazes e podemos sentir o sofrimento de forma permanente? A incidência do tempo neste último parece não produzir marcas, cortes, mantendo a possibilidade de um contínuo? Será isso o que Freud diz ser o mais além do princípio do prazer?

F. cita diversas formas de evitar o sofrimento: a utilização de substâncias químicas, a tentativa de supressão das pulsões como ocorre em religiões orientais ou o uso da sublimação como uma forma de realização pulsional através do desvio do alvo da pulsão e por conseqüência também do objeto. O fato é que nenhuma delas suprime o mal estar do sujeito, justificado por procurar uma satisfação plena jamais encontrada e por errar entre os bens oferecidos pela cultura que só fazem produzir restos e alimentar cada vez mais o desejo.

Ouvimos na clínica o quanto isso tudo coloca em questão o sentido de estarmos no mundo. Nada parece ter sentido, e é fato, nada tem sentido pois o sentido somos nós que precisamos dar aos objetos ou situações, nem que seja de forma provisória e sempre ancorada no engodo, pois nunca será aquilo, será outra coisa.

L. coloca que o trabalho de análise possibilita que haja revisão do que pode ser considerado um bem para o sujeito, embora não haja possibilidade de dirigir-se na vida sem eleger bens, mesmo que eles sejam defesas contra o desejo. Para tentar compreender isso não podemos esquecer que o desejo é desejo de morte, de completude, indiferenciação, um nada, sem dor, sem sofrimento. Mas o que são os bens que inevitavelmente elegemos? Que metamorfose é essa que a análise proporciona na eleição desses bens que possibilita ao sujeito estar mais próximo de seu desejo embora nunca integralmente? Sublimação?

A religião,nos diz Lacan, preconiza a busca do Bem como forma de alcançar a felicidade e a psicanálise o desejo, o que não é garantia de felicidade, mas produz creio eu, um outro estado no sujeito. A possibilidade de viver numa outra dimensão para além da infantil, onde tudo pode ser ampliado, onde as versões podem não ser fixas, onde é possível a criação de novas formas de viver, pensar e fazer. Colocar-se frente à castração será isso? É libertador! Do que? Das ilusões referentes a um amparo que não existe, da eleição de Bens que seriam portadores de nossa felicidade e permanente ainda por cima. Libertador até do corpo que pode entregar-se ao ato genital, simulacro que através da carne possibilita num momento fugaz a experiência de algo que pode ser atingido onde um ser está para o outro no lugar, ao mesmo tempo vivo e morto da Coisa. (360)

E, uma das experiências mais incríveis que um processo de análise pode nos ensinar, que podemos aprender com o sofrimento, que ele embute em si mensagens cifradas do que desconhecemos de nós mesmos. O mal estar na cultura não há como ser evitado. Não há como evitar nosso confronto com o Real, com o que não cessa de não se inscrever, o exterior mais interior a nós mesmos que nos comanda e desarvora. Viver até às ultimas conseqüências esse atordoamento, esse confrontamento com a realidade de nossa condição humana e mesmo assim não sucumbir a uma infantil sensação de desamparo absoluto é um dos grandes ganhos que uma experiência de análise pode proporcionar, quer seja através da psicanálise ou não, mas claro que através de nosso trabalho de psicanalistas essa experiência é potencializada em várias dimensões.

Enfim que vejo a cultura, através de seus preceitos morais e invenções para fazer frente ao que é da ordem do real ou natural, como formas de proporcionar um mínimo de ordenamento a essa profusão de desejos que movem o ser humano. A moral e a ética seriam como bússolas que nos proporcionam uma certa direção para que não nos percamos no infinito, embora não nos poupem de conflito e tampouco sejam plenas. Corresponder a um ideal, como propõe a moral nos conforta ao mesmo tempo que nos aprisiona na demanda do outro, base das neuroses conforme nos diz Freud. A cultura nos sinaliza bens que teoricamente trariam satisfação e prazer, mas no entanto a história da humanidade nos mostra o quanto prazer e bem geralmente são incompatíveis.

A tese de Lacan é que a lei moral, ou a instância moral, pelo fato de estar estruturada pelo simbólico, presentifica o real e se afirma contra o prazer, pois seria representante das leis dos pactos entre os homens, que visam o controle e ordenamento das pulsões e desejos. A falha nesse intuito escancara a emergência sempre presente, porém velada, de um Real refratário à apreensão pelo simbólico . Lacan fala que a ética não tem relação com o ideal mas com o real. Então a ética na psicanálise seria o juízo relativo à dissonante relação entre as repercussões no sujeito das leis da cultura ou morais e as leis do inconsciente ou do desejo. Ela incide sobre nossos restos de algo sempre inacabado, sobre o desconforto e o privilégio de não conformar-se intimamente a nada, de ansiar sempre mais e sofrer com isso.

Os analisantes chegam a nós com dilemas morais e o que vai nos balizar na direção dos tratamentos não será o ideal, que é de ordem moral, mas sim o real. Através do desejo do analista é que se revela a ética na psicanálise, talvez o único campo que articula a ética dessa forma, problematizando a relação da ação com o desejo que a habita e reconhecendo que somos submetidos às leis do inconsciente.

Fala-se na ética da psicanálise, poderia se pensar na ética do analisante, mas qual é a ética do analista?Tem a ver com o que os analisantes buscam ao buscar uma análise? Então a ética do analista é estar em consonância com os preceitos técnicos que dizem por exemplo, que não se deve corresponder à transferência, responder do lugar ao qual ele é convocado, etc? No entanto, o que verdadeiramente opera numa análise é o ser do analista que precisa passar por uma transformação, através de sua própria análise , é a comunicação entre os inconscientes do analisante e o do analista.

Também a ética do analista é não corresponder à demanda de felicidade dos analisantes, mesmo por que isso é da ordem do impossível. A ética do analista seria esperar que haja o maior numero de sublimações possíveis?

São muitas as perguntas!

BIBLIOGRAFIA
FREUD, S. El Malestar en la cultura, v. XXI, 2ª ed., Buenos Aires: Amorrortu Ed., 2006.
FREUD, S. Mas allá del principio de placer, v. XVIII, 2ª ed., Buenos Aires: Amorrortu Ed., 2006.
LACAN, J. SEMINÁRIO 7 – A ÉTICA DA PSICANÁLISE, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
30/06/2016.

Imagem: Accommodations of Desir 1929 de Salvador Dali.

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